quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ESMURRO O MEU CORPO



por Caio Fábio

Esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que depois de ter pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado. Paulo


Uma declaração como esta de Paulo é objeto de rejeição natural por parte de quase todas as escolas de psicologia e psicanálise.

O que se diz é que se trata de um comportamento de repressão instintual, em razão de que para Paulo o “corpo” existiria em contraposição ao espírito. Assim sendo, Paulo diria “não” a todas as suas pulsões instintuais, quase todas “imorais” ou “a-éticas” e, portanto, contrárias ao comportamento cristão, mas cuja supressão ou repressão seria extremamente danosa ao ser, fosse gerando sombra, fosse criando um neurótico do são comportamento.

Mas a revelação do sentido da saúde humana no Evangelho nem sempre leva sempre em consideração os axiomas das ciências da alma.

Para Jesus, por exemplo, para o bem do ser, há coisas, membros, pulsões, desejos, caprichos, poderes, etc., que precisam ser cortados de nós (mãos, pés, olhos) a fim de que não se perca a inteireza do ser. Ora, isso é "anti-psicológico”.

Paulo diz o que acima declarou. Esmurrava e reduzia os âmbitos das pulsões e dos desejos a fim de não se tornar escravo enquanto falava de liberdade. Ora, isso também não é “psicologicamente sadio”, diriam muitos.

Entretanto, no próprio texto, Paulo admite que haja um eu profundo que faz a gestão do que é meu (corpo), mas não sou eu. Sim! É meu, mas não sou eu.

É o “meu” contra o que sou “eu” justamente aquilo que, em nome do meu, se impõe contra a vida, como direito do instinto, expresso na linguagem do “corpo”.

Há, todavia, um eu (eu reduzo meu corpo à escravidão), o qual não é instintual no desejo, mas consciente nas decisões que toma visando algo maior e mais elevado do que a basicalidade do instinto sem dono.    

Assim ficaria o texto de Paulo:

Eu esmurro o meu corpo e eu o reduzo à escravidão, para que depois de eu ter pregado a outros, eu não venha a ser desqualificado.

Desse modo há um eu que deve ser maior do que o que é meu sem ser eu, no sentido mais profundo do termo.

O que de fato gera sombra e neurose no ser não é a negação do instinto quando deseja colocar o eu sobre a escravidão dos desejos e caprichos.

O que gera sombra e neurose é justamente negar ao eu a verdade, entregando-se aos desejos caprichosos como se fossem essenciais e senhores de nosso sentido de ser.

Ou então, neurose e sombra crescem em nós quando entramos no processo de negação da verdade em razão de nos submetermos às leis externas da moral e do capricho, quando elas nada têm a ver com a verdade do Evangelho.

Hoje há muita gente pensando que liberdade em Cristo é a graxa que enseba nossos caprichos como se fosse unção para pecar, e isso sem nem mesmo se ter a consciência de que se está pecando contra o sentido da vida.

Também há daqueles que chamam o que é meu como se fosse o que seja eu. O meu é meu, mas não sou eu. Eu sou maior do que o que é meu. O eu não é feito de coisas que não sejam apenas o eu em essência.

Desse modo, sem neura e sem frouxidão, sou chamado a dizer não à escravidão dos desejos e caprichos que existem em mim apenas esperando serem chamados de “eu” pela minha entrega aos caprichos.

Quem assim entende, dá ao corpo (instinto) todas as comidas das quais o corpo-instinto se serve, desde alimentos até sexualidade e sensorialidade sadias. Mas não se entrega aos desejos absurdos do corpo de escravidão.

O Evangelho, sendo seguido, não introjeta sombra quando alguém reduz o corpo à escravidão. O que introjeta sombra é moral como mentira; é a média das opiniões feitas lei, e sem razão de ser. O que introjeta sombra é negação daquilo para o que a verdade diz sim mas a moral diz não. É somente na luta contra a verdade que as sombras crescem em nós.

Pense nisso!


Nele, que é Aquele que disse que mãos, pés e braços desarmônicos com o eu podem e devem ser amputados para que o eu fique inteiro,


Caio  

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Um passo atrás



Por Fernando Khoury

"Refleti em meus caminhos e voltei os meus passos para os teus testemunhos. Eu me apressarei e não hesitarei em obedecer aos teus mandamentos."
Salmos 119.59

"Se meus passos desviaram-se do caminho, se o meu coração foi conduzido por meus olhos, ou se minhas mãos foram contaminadas, que outros comam o que semeei, e que as minhas plantações sejam arrancadas pelas raízes".
Jó 31.7

“Esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus."
 Filipenses 3.13

“Disse-lhes Jesus: Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”
 Mateus 11:28-30

Quando se está à beira de um precipício, dar um passo atrás, na verdade, é dar um passo à frente.

Sim, existem momentos em que é preciso voltar atrás para poder avançar. É preciso tirar os olhos fitos no futuro e fixá-los por um instante no passado, para superar traumas e problemas mal resolvidos que lá ficaram aprisionados juntos com nossas almas.


Dar um passo atrás, às vezes, significa seguir adiante...progredir.
Chorar a perda para poder sorrir.
Perder para aprender a valorizar.
Sentir-se só para sentir saudade.

Assumir a derrota para saber vencer.
Fechar algumas portas para abrir novos horizontes.
Aceitar o medo para alcançar coragem.
Admitir o erro para aprender com ele.
Lembrar para poder esquecer. E esquecer para recomeçar. Perdoar.
Reconhecer a própria fraqueza para se humilhar. E se humilhar para ser exaltado. Pedir perdão.


Desvelar as cicatrizes para conseguir tratá-las.
Derramar lágrimas para lavar a alma.
Libertar-se do passado para viver o presente.
Esvaziar o interior de tudo que é efêmero para encher o coração do que dura para sempre.

Morrer para o mundo, a fim de nascer de novo para Aquele que faz tudo novo.

Asfixiar o peso que sufoca a alma e, assim, respirar o Amor que dissipa toda culpa.
Diminuir o meu eu para que em mim, em meu inóspito jardim, volte a crescer Deus...volte a brotar a paz que um dia eu perdi: a paz que excede todo o entendimento.

Começar do zero, como se nada tivesse acontecido. Como se não houvesse marcas, lágrimas, decepções. Como se nunca tivéssemos sentido dor ou frustração. Como se nunca tivéssemos sentido culpa. Como se não houvesse rugas em nossa face, mas apenas a suavidade e a leveza da pele intocada e inocente de um bebê.
Renascer, recrescer. Renovar, revigorar, reconciliar.

Caminhar, passo a passo, cair. Enxugar as lágrimas, recomeçar, continuar caminhando. Sem parar, sempre em frente...pois recomeçar é dar um passo à frente. Mas dar um passo à frente, às vezes, é dar um passo atrás.
Por isso, pare de caminhar por um instante. Faça uma breve pausa e reflita se você precisa dar um passo atrás. Porque para existir recomeço, não pode existir passado ferido.